Meu trabalho voluntário em Londres

Fachada da Bowden Court em Notting Hill, Londres (Dezembro, 2021)

Conseguir um emprego já não é fácil, e se não tiver meios de comprovar suas atribuições é ainda mais complicado. Sou graduado, fiz intercâmbio e ainda assim não consegui atuar na minha área de formação. Após 2 anos lutando atrás de uma nova oportunidade precisei aceitar o fato de que o mercado de trabalho onde moro é apático e limitado; quem precisava se reinventar era eu. Foi então que decidi fazer um trabalho voluntário no Reino Unido para adquirir uma experiência internacional e migrar para um trabalho remoto.

Me encantei por Londres em vários aspectos quando visitei a cidade pela primeira vez em 2019. Naquela época eu fiz um intercâmbio de 1 mês com uma escola de idiomas. Não foi fácil realizar isso, principalmente porque recebo um salário base. A única maneira foi tomando empréstimo e os motivos estão num post sobre isso. O problema é que, mesmo depois dessa experiência e de adquirir um certificado de proficiência em inglês, não consegui sair da inércia do meu trabalho. Passei mais 2 anos trabalhando loucamente, me estressando e acabando com minha saúde através de um burnout - não recomendo!

Meu sonho de voltar à Londres permanecia forte o bastante para me fazer tomar outra decisão - e empréstimo. Eu queria viajar nas férias, mas retornar para casa sem um investimento para o meu futuro profissional se tornaria um fardo. Pesquisei muito sobre trabalhos e vistos e meios de morar no UK; a opção mais viável seria fazendo um trabalho voluntário. Meu plano inicial consistia em tirar o Temporary Work - Charity Worker Visa. Com esse visto é possível permanecer no Reino Unido por 12 meses enquanto faz seu voluntariado em uma empresa ou instituição que tenha uma licença do governo para tal, mas sem a possibilidade de ser renumerado, de conseguir um trabalho fixo ou morar como residente. Contudo, você pode conseguir um trabalho renumerado desde que este seja na mesma área e level do seu trabalho voluntário. Ou seja, em um turno você se voluntaria e no outro você trabalha fazendo a mesma coisa e é pago por isso.

O que me impediu de correr atrás do visto não foi o fato de que é preciso ter um certificate sponsorhip - uma carta da empresa ou instituição autorizando a contratação do estrangeiro junto à imigração -, mas sim, a altíssima quantia para solicitar o visto. O governo britânico exige o pagamento de £244 para solicitar o visto, mais £624 (por ano) para ter acesso ao sistema público de saúde, e ter em sua conta bancária o valor mínimo de £1,270 para comprovar que você tem meios de se manter no país durante esse período. Ah, e obviamente você ainda precisa ter uma acomodação à parte. Somando essas taxas, você precisa desembolsar no total £2,138! Convertendo em reais, esse montante fica por R$12.912,21 (com a cotação do dia 05 de abril de 2022). É um absurdo de caro!

Mas nem tudo estava perdido! Minha segunda opção era mais simples. Eu poderia voluntariar no Reino Unido com meu visto de turista pelo período máximo de 30 dias. Assim fiz! Logicamente eu fiz uma extensa pesquisa sobre empresas e instituições que aceitam esse tipo de trabalho voluntário. Foi durante as buscas que acabei conhecendo a WorldPackers, uma plataforma que reúne hostels ao redor do mundo procurando por voluntários em troca de acomodação, assim como permite que o futuro viajante encontre o melhor anfitrião. A assinatura é paga (e cara) mas garante o suporte necessário. Porém, 2 meses antes da minha viagem comecei a me inscrever para os poucos hostels disponíveis na área de Londres. Após várias tentativas, não obtive nenhum retorno positivo e muitas das inscrições simplesmente expiraram porque os anfitriões não se davam ao trabalho de visualizá-las. Fiquei bem frustrado com a WorldPackers, pois deveria haver uma maneira mais assertiva de estimular o feedback dos hostels.

Estação de metrô Notting Hill Gate, Londres (Dezembro, 2021)

Minha segunda opção foi a empresa LHA London, que administra 14 residências de acomodações compartilhadas. Os hóspedes, em sua maioria, são estudantes e trabalhadores que precisam de uma acomodação com baixo custo benefício, tendo que compartilhar o quarto (em alguns casos), banheiro, refeitório, lavanderia, academia e outros cômodos. No site da empresa é possível visualizar quais as vagas disponíveis e para qual das 14 unidades elas são. No meu caso, enviei minha carta de motivação para o e-mail principal de voluntariado me candidatando para a vaga de housekeeper e me responderam em poucos dias, perguntando quando eu estaria na cidade. Em troca do trabalho voluntário, a companhia oferece acomodação, 2 refeições e acesso à lavanderia.

Depois que me responderam, mantivemos contato por alguns dias apenas para ajustar as datas e horários e, no dia 05 de dezembro de 2021 eu cheguei à Bowden Court, localizada em Notting Hill. Após o período de quarentena até sair o resultado negativo para Covid-19, tive dois dias de treino. O trabalho era relativamente simples: bater à porta do hóspede, entrar sozinho no quarto para evitar contato devido a pandemia, recolher o lixo, aspirar o pó, limpar pia, espelhos e superfícies com pano e um produto especial e limpar o chão com esfregão. Se for um quarto de check-out, a limpeza é mais profunda e deve-se ainda vasculhar se há itens deixados para trás, trocar toda a roupa de cama e colocar os tecidos sujos para lavar.

Falando assim parecer ser fácil, mas não é. Minha rotina consistia em comparecer à recepção no início do turno e pegar minha lista de tarefas, que se resumia em fazer a limpeza de 8 quartos, coletar lixo de todos os dormitórios em dois andares diferentes e ainda aspirar os longos corredores desses dois andares. Imagina ter que fazer tudo isso em apenas 3 horas. Além disso, o turno aos sábados era mais extenso, somando 5h, e a pior parte era ajudar na cozinha. Minha primeira vez nesse ambiente foi terrível porque precisei ficar lavando panelas e utensílios enormes e sem uma posição confortável (minhas costas sofreram), e ainda tive que ajudar a lavar todos os copos, pratos, talheres e bandejas logo após o almoço. Foi mais que exaustivo! No meu segundo sábado eu ajudei a servir a refeição aos hóspedes (tive que usar 3 toucas para cobrir todo o cabelo), e dessa parte devo dizer que gostei bastante, mas em seguida precisei limpar as superfícies da cozinha e retirar o lixo. Em resumo: detestei a cozinha. Mas a correria super valeu a pena.

Lavanderia da residência Bowden Court, Londres (Dezembro, 2021)

Durante a experiência tive alguns perrengues, momentos engraçados, momentos de estresse, nojinho em arrumar certos quartos, mas, o que mais gostei, foi de ter uma rotina numa empresa internacional. Todos os dias eu lidava com pessoas de nacionalidades diferentes, sotaques diferentes e sempre conversava com meus colegas de limpeza: havia um grupo de empregados mais velhos - todos negros - que realizavam a limpeza de banheiros, corredores e alguns quartos. Mas teve uma pessoa em especial que nunca vou esquecer: Doris. A gente sempre se via e trocava um saudoso "bom dia", até que resolvi perguntar seu nome. Quando falei o meu, que é o nome do ex-papa, ela brincou me pedindo para abençoá-la. Pois todo dia a gente se falava e ela pedia benção ao papa. Era hilário!

Ao final de um mês eu já me via falando um inglês menos arranhado, com mais disposição para trabalhar, perdi certos preconceitos, me senti valorizado mesmo sendo um voluntário, tive que lidar com situações desgastantes e, enfim, cresci. Sem dúvida alguma recomendo que façam um trabalho voluntário, independentemente de ser internacional ou não. É mais do que "trabalhar de graça", é se colocar numa posição de aprendiz e dar em troca a melhor versão de você. 

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